quinta-feira, 19 de março de 2015

Sonhando com árvores

"O correr da vida embrulha tudo.
A vida é assim: esquenta e esfria, 
aperta e daí afrouxa,
sossega e depois desinquieta.
O que ela quer da gente é coragem"
(Guimarães Rosa)


Em ebulição, sigo pela cidade dirigindo a esmo, ouvindo fados, pulando as faixas de que não gosto e que, não sei por qual motivo, gravei. A noite desce devagar, curitibana. Em Minas, onde a vida é mais franca, já estaria escuro há meia hora. 

Provo tudo sem tempero, para sentir o real sabor. 

As angústias desses dias são melhores que as de antigamente pois tenho certeza de que serei feliz, nem que seja na base da birra. Escolhi ser feliz e pronto, mesmo nas horas mais improváveis. E sou feliz assim, comigo mesma, meus livros, meu trabalho, minhas árvores preferidas. Eucaliptos. Pinheiros. Paineiras. Plátanos. Estou inteira. Por pouco, não faço fotossíntese. Sou toda gerúndio.

Existe uma liberdade estranha a me rondar... Ela me impele a buscar coisas belas. Uma flor me deixa feliz. Uma criança que corre também é minha filha. Alguma coisa que sofre se mistura ao meu choro e juntas nos aliviamos da dor do mundo. Uma trilha sonora sempre perfeita guia todos esses devaneios e as banalidades são elevadas ao status de acontecimentos fundadores. Até a tristeza me ilumina. O mundo é uma selva inóspita e eu sou uma planta que cresce mesmo quando falta água. Ultimamente estou fazendo as pazes com o medo: uma folha seca que rola na grama é mais importante.

O carro segue, vou a outra cidade. Em meios a engarrafamentos e saudades de coisas que ainda não conheço, tudo se abre em possibilidades. Outros motoristas buzinam, irritados. Cada pessoa em cada carro é um mundo inteiro e a psicóloga em mim pensa que isso é um milagre absurdo e doloroso.

Quem sofre muito, quem sente as coisas na carne e vê a vida através de uma lupa, logo aprende a se defender. Algumas defesas nos deixam inertes por muito tempo e paramos de ouvir fados. Amamos tanto a tudo e a todos que não percebemos que a banda já parou de tocar, todo mundo foi embora e ficamos sozinhos a admirar a solidão magnífica da casa de espetáculos. Como a gente vive para os detalhes, ficamos ali, longo tempo, achando arte em coisas como as borlas das cortinas antigas, a textura da madeira que reveste o palco, o desbotado de um estofado grená. Um dia nos levantamos e nunca mais voltamos. 

As pessoas mais intensas, são as mais desprotegidas. Esta é, de certa forma, uma sina à qual não se foge. Por isso, a gente faz uma barganha assim: se eu me entregar, apesar do medo, espero encontrar algo especial. Quaresmeira. Se eu suportar tanta intensidade, se eu continuar indo a exposições de arte, se continuar escrevendo, se continuar acreditando na vida e nas pessoas, se continuar dirigindo a esmo e ouvindo fados, se eu fizer a minha parte, espero receber em troca esse "algo" inefável e sem nome, esse invertebrado gasoso que fará tudo valer à pena. Ipê. Cerejeira. Somos ambiciosos e simples ao mesmo tempo. Jacarandá. Nossa proteção está em sabermos nos perder. Pau Brasil. E em conseguir encontrar forças onde outros só encontrariam fraquezas. Braúna. E pode ser que dê tudo errado. Isso faz parte de estar vivo. Imbúia. Pau Brasil. Baobá!


* Esse texto foi escrito num fôlego só, portanto não foi e nem será revisado. Me reservo o direito de não usar conectivos e de soar incoerente. 

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